A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entrou com uma ação civil pública coletiva na Justiça mato-grossense nesta terça-feira (29) em que pede que 28 tradings exportadoras de grãos indenizem seus associados por danos financeiros e morais sofridos pelos agricultores do Estado pelo fato da Moratória da Soja tê-los impedido de vender sua produção.
O acordo privado firmado entre as empresas impede a comercialização do grão produzido em área desmatada na Amazônia Legal, mesmo que de forma legal, após 2008.
O documento não cita valores, pois isso depende de apuração individualizada na fase de execução, caso o processo avance.
Na ação apresentada ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), a Aprosoja pediu que os réus se abstenham de praticar ou cessem imediatamente "todo e qualquer ato que exija dos sojicultores brasileiros o cumprimento de requisitos que superem aqueles previstos na legislação brasileira, sobretudo em matéria ambiental", bem como "sua atuação conjunta anticoncorrencial, ilegal e inconstitucional em prejuízo dos sojicultores brasileiros".
A entidade pediu ainda que a Justiça determine a interrupção, pelos réus, de "todo e qualquer ato que tenha como objeto exigir dos produtores rurais brasileiros regras contidas no acordo denominado Moratória da Soja e/ou de qualquer outro acordo superlegal que venha a substituí-lo".
São citadas como rés na ação as empresas ADM, Agrex, Agribrasil, Agrícola Alvorada, Amaggi, Agro Amazônia, Agrogalaxy, Bunge, Caramuru, Cargill, CHS Agronegócio, CJ International, Sementes Selecta, Cofco, Cutrale, Dual, Fiagril, Viterra, Imcopa, Louis Dreyfus, Nova Agri, Nutrade, Olam Agrícola, Sinagro, Sipal, Aliagro, Sodrugestvo e 3Tentos. O processo mira ainda a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Segundo o documento, as tradings citadas, que são signatárias da Moratória, são responsáveis por mais de 90% das exportações de soja do Brasil.
A Aprosoja-MT pediu na ação que a Justiça reconheça que a Moratória da Soja "viola o ordenamento jurídico brasileiro" e solicitou a "extinção" do acordo, que é privado.
No processo, a entidade disse que as regras da Moratória da Soja violam as normas concorrenciais brasileiras e que os parâmetros estabelecidos no acordo extrapolam os da legislação ambiental do país. Segundo a Aprosoja, isso impõe uma "restrição anticoncorrencial, ilegal, abusiva e inconstitucional para os sojicultores brasileiros, o que lhes causa severos prejuízos por se tratar de uma restrição indevida ao direito de propriedade e à livre iniciativa".
"A postura ilegal e inconstitucional implementada pelas tradings reside em uma atuação coordenada e sincronizada para impor aos sojicultores brasileiros a obrigatoriedade de provar/demonstrar que a soja a ser comercializada advém de área sem qualquer supressão ambiental, ainda que realizada licitamente à luz do Código Florestal brasileiro, sob pena de recusa injustificada na compra do produto", afirmou a Aprosoja-MT na ação.
"Os produtores vêm enfrentando uma imposição geral e articulada de restrições para a comercialização de soja, mesmo cumprindo estritamente a legislação ambiental brasileira, a qual prevê áreas de 'supressão legal' com limites de preservação que variam de 20% (vinte por cento) a 80% (oitenta por cento) da área, a depender da localização da propriedade rural", acrescentou.
O receio das tradings
Fontes que acompanham o assunto dizem, sob anonimato, que o pedido de indenização por parte dos produtores era a medida temida pelas tradings neste momento.
Nessa segunda-feira, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a aplicação da parte principal da lei mato-grossense que autoriza o governo do Estado a cortar benefícios fiscais a empresas que participam de acordos como a Moratória da Soja. A legislação deverá entrar em vigor em janeiro de 2026. Rondônia também aprovou lei semelhante. Outros Estados da Amazônia Legal se movimentam para criar normas nesse sentido.
Na avaliação de fontes, os movimentos mais recentes apontam para a extinção da Moratória da Soja. Com essa perspectiva, os exportadores querem agora assegurar o entendimento de que acordo gerou ganhos ao país, como forma de evitar pedidos de indenização ou reconsideração.
Esse tom foi observado em manifestação recente do setor exportador na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7774 no STF, que questiona a lei de Mato Grosso. A intenção, diz uma fonte, é "garantir que o passado não fosse judicialmente revisitado".
Liminar da Flávio Dino
Em decisão liminar de segunda-feira (28/4), Dino elogiou o acordo das tradings. "A Moratória da Soja fortaleceu a credibilidade do Brasil no cumprimento de compromissos internacionais de proteção ambiental, reforçando o papel do país como fornecedor de produtos agropecuários sustentáveis no mercado global", disse ele na decisão. De acordo com o ministro, em um cenário no qual consumidores e investidores "priorizam cadeias produtivas que adotam práticas responsáveis, a Moratória se tornou um diferencial competitivo para manter a inserção de produtos brasileiros nos principais mercados internacionais".
Impacto
Nas contas do setor, ao menos 4,2 mil agricultores de Mato Grosso são afetados pelas exigências da Moratória da Soja em uma área total de 2,7 milhões de hectares. Desses, a comercialização de soja está impedida com as tradings signatárias em 1,8 milhão de hectares. Os produtores teriam deixado de auferir uma receita de R$ 20 bilhões com sua produção de soja e milho no local.
O processo tramita na Vara Especializada em Ações Coletivas de Cuiabá.
Procuradas, Abiove e Anec não se pronunciaram até a publicação deste texto.
Rafael Walendorff – Globo Rural